domingo, agosto 06, 2006

15 minutos e 50 centavos

18:40h.

Caramba, tenho que sair agora.
O horário marcado é às 19h no Shopping da Gávea.

Desagradado por me ver forçado a interromper uma de minhas mais inspiradas performances de Tunak Tunak Tun, cato carteira, chaves e celular antes de passar pela porta de casa. Isso sob o olhar espantado dos meus pais, que tinham acabado de chegar de viagem e, após entrarem de surpresa no meu quarto, pela primeira vez se deram conta das incríveis habilidades cênicas do filho.

Oito minutos depois, quase chegando no Rebouças, o celular toca:

- Nós estamos atrasadas uns 15 minutinhos, mas estamos saindo de casa agora, está bem?

Pô. A primeira coisa que me veio à cabeça é que em 15 minutos dava para ter dançado o Tunak completo umas 4 vezes e meia.

----------

Às 11 e tanta da noite, sábado passado, na Lapa. Em meio a um dissenso (claramente injustificado) entre o show do glorioso Camisa de Vênus e o sambinha de raiz do Democráticos.

Ela desesperadamente com fome. Ao cruzar com um daqueles botecos sujos da Rua Riachuelo, deparamo-nos com algumas coxinhas engorduradas que reluziam através da vitrine. Mas ela não foi capaz de seguir minhas valiosas recomendações macrobióticas:

- Hum... quanto é??

Surpreendentemente, o atendente do bar olha para o relógio.

- Bem, até algumas horas atrás era R$1,10. Mas agora é R$0,50.

Pior ainda do que uma coxinha de 50 centavos, é uma coxinha de 50 centavos que começou o dia custando R$1,10.

Sem desejarmos maiores detalhes sobre o assunto, emprestei minha moeda de 50 centavos para ela.

domingo, julho 16, 2006

O Bonequinho desistiu

Isto foi na época em que fui ver “A Chave Mestra” no cinema.

Não sei se vocês já tiveram a oportunidade de ver este filme. Trata-se de um daqueles suspenses metidos a terror (ou o contrário) que beiram o insuportável. Tem-se de tudo que é mais convencional: “a menina boazinha que vai trabalhar de babá de velhinho na casa esquisita afastada da cidade”, “a velha mau-humorada e misteriosa responsável pela contratação da babá”, além do clássico “advogado bem-tratado da família da casa”, que é colocado ali puramente para ganhar a simpatia e confidência da pobre menina.

Colocando a história para girar em torno destes 3 personagens no mesmo local durante 1 hora e meia (local este que nada mais é do que a sombria casa amaldiçoada que serve de abrigo à velhinha e seu adoentado esposo), o filme é completamente parado, sem sal e desinteressante, além de não ser capaz de dar um susto sequer na platéia. Se não fosse pela minha companhia na ocasião, teria facilmente ido embora na metade da sessão, me juntando à exibição de “Os Incríveis” que ainda ocorria na sala ao lado.

Mas não o fiz e, para minha surpresa, o roteirista simplesmente se redimiu de todas as formas possíveis no final da história. Sério, aquele foi um dos finais mais sensacionais, surpreendentes e bem bolados que já vi em toda a minha vida! Os créditos começaram a subir e eu ainda estava ali sentado, de olhos arregalados e boca aberta, estupefato com a genialidade do responsável por desfecho tão magnífico.

Viro-me para ela, já pronto para lhe contar de todo o estado de admiração em que me encontrava, quando a senhora sentada a 2 cadeiras da gente se levanta:

- Meu Deus, mas que filme péssimo!!!

Pego de surpresa por exclamação tão espontânea, sincera e indignada, cheguei a me esquecer por alguns instantes do que ia falar.

Antes mesmo que eu pudesse refletir sobre o ocorrido, o gordinho à nossa frente, que passou o filme inteiro mastigando um interminável saco de pipocas, também se levantou:

- Este é o pior filme que já vi nos últimos tempos!!!

Ainda que um pouco desagradado com as opiniões contrárias à minha, realçadas pelas reações um tanto quanto enfáticas de ambos os espectadores, tentei retomar o meu ponto:

- Nossa, mas você não achou que...

Quando então o garotinho atrás da gente, enfurecido, solta aquela que é a frase mais velha e batida de todas, aquela que, dentre as sentenças passíveis de serem desferidas contra um filme de terror, é certamente a mais desprezível:

- Mas esse filme era pra rir ou pra assustar?!?!?!

Depois dessa me rendi em definitivo e desisti de prestar qualquer elogio ao filme, suplantado e convencido pela unanimidade gerada pelos meus companheiros de sala de cinema. Ela:

- Marcelo, você não ia falar alguma coisa??

- Ahn, eu? Ah, nada não..... Filminho ruim, né?

domingo, julho 09, 2006

De como a voz passiva não serve ao seu propósito

Era um sábado à tarde, eu prestes a ir a um churrasco de um amigo em Itaipava. Ressuscitado o bom e velho Palio, não era como se eu estivesse exatamente adiantado no quesito “horário” (lembrem-se que macrobióticos precisam forrar o estômago antes de ir a um evento de apreciação de carnes e cerveja como esse).

Como uma pessoa precavida e prudente, minha viagem é obviamente precedida de um abastecimento no posto, com direito a checagem de água e óleo e calibragem dos pneus e estepe. E foi exatamente quando os problemas começaram.

Logo após a calibragem do estepe, no curto espaço de tempo entre sua armazenagem e a batida final do porta-malas, as chaves do carro simplesmente fugiram da minha mão de uma maneira extremamente engenhosa, sem que eu pudesse perceber ou levantar qualquer suspeita de tal comportamento. Esta suspeita só ocorreu no momento em que fui inutilmente tentar abrir a porta do motorista, tarefa esta que se torna deveras mais complicada quando as chaves se encontram trancadas no porta-mala.

Sim, uma situação vergonhosa. Assim como no segundo post do blog, não vejo minhas glórias automotivas se materializarem como nas velhas músicas de rock ‘n’ roll. Saí a pé pelas redondezas do posto em busca de algum chaveiro que estivesse de plantão e pudesse ser capaz de arrombar a porta do meu carro, resgatando a chave rebelde. Detalhe que, enquanto isso, com o carro estatelado em frente ao calibrador, ninguém mais no posto calibrava pneus.

Minha busca foi extremamente mal sucedida. Não tive outra opção senão apelar para a solução última, ligar para o seguro. Fui atendido pela simpática Sílvia:

- Boa tarde, qual é o problema?

Neste momento, por alguma razão, senti uma súbita vergonha de toda a situação. Sim, tenho plena consciência de que a probabilidade de eu não conhecer Sílvia e de nunca vê-la em toda a minha vida é absurdamente alta. Mas, ainda assim, me vi sem-graça, sem saber como explicar a ela de uma maneira minimamente satisfatória como fui responsável por feito tão pouco grandioso como esse.

Foi quando, em um repentino lampejo de esperteza e sabedoria, as palavras adequadas me vieram à cabeça:

- Bem Sílvia, o que aconteceu foi que o carro foi trancado e a chave estava dentro do porta-malas...

Sim, sim, “o carro foi trancado e a chave estava dentro do porta-malas” !!!
Quanta perspicácia, quanta sagacidade!
O contexto adverso era incrivelmente contornado através da utilização da propriedade básica da voz passiva, que realça o OBJETO da ação, e não o SUJEITO! (dá-lhe aulas de português da 7a série)

Mas para a minha surpresa:

- Tá... OK senhor Marcelo, então o que ocorreu foi que o senhor trancou o carro com a chave dentro, certo?

Eu, desanimado:

- É, ou isso...

Fico aqui me perguntando por que os grandes gramáticos criam as regras do Português, já que as pessoas depois teimam em não respeitá-las.

domingo, julho 02, 2006

Brasil x Croácia

Naquele dia o pessoal do meu trabalho começou a sair por volta das 15h. Como não estava com a menor vontade de ficar pegando engarrafamento ou me esmagando no metrô por causa de um jogo do Brasil que nem ver eu ia, decidi ficar por lá mesmo, lendo algumas coisas e fingindo ser este um dia completamente normal. (nota para os desavisados: eu odeeeeeio futebol...)

Minha academia estaria aberta novamente a partir das 18h, então decidi sair do trabalho direto para lá. Quando eram 19:30h, aprontei minhas coisas e fui para o metrô.

Quando o trem chegou, UMA MARAVILHA! Os vagões estavam ABSOLUTAMENTE VAZIOS, eu podia me dar ao luxo de escolher o assento que quisesse, de me esparramar à vontade! Era a primeira vez que presenciava tal cena neste horário em um dia de semana. Nunca a viagem do Centro até a Tijuca havia sido tão prazerosa e agradável. Ei, até que a Copa do Mundo não era tão abominável assim, e também tinha lá seus lados positivos. Pasmem, o ocorrido afetou minha cabeça a ponto de eu cogitar minha desafiliação da comunidade "Odeio Copa do Mundo" do Orkut.

Quando chego na academia, encontro a grade levantada e as luzes apagadas. FECHADA! Olho para a esquina e vejo uma das principais ruas da Tijuca também fechada, ocupada por um enxame desses novo-patriotas da Copa que tomaram o país desde o início do mês passado. Alguns dias depois falei com o Leo, dono da academia, que me contou que eles de fato tentaram abrí-la, mas que o pessoal do Alzirão entrou na rua fazendo algazarra, brigando, sujando a calçada e mijando na porta dos prédios. A PM recomendou que, por questões de segurança, eles não abrissem o local.

Voltei a odiar a Copa do Mundo.

----------

Por essas e outras que não estou particularmente triste com a derrota do Brasil para a França. Aliás, tento até, com certo ar de vergonha, esconder uma ponta de felicidade. Posso listar aqui infindáveis razões para tanto:

1) O país volta à normalidade com uma semana de antecedência.

2) A Rede Globo não vai ficar enchendo o nosso saco daqui a 4 anos com o mote de que "o povo brasileiro precisa do hepta". Será que ninguém percebe que este maldito ciclo não acaba nunca? Não é como se existisse uma quantidade-limite de campeonatos mundiais que uma dada seleção pudesse ganhar, e você simplesmente passasse a ser um hors-concours a partir de um determinado momento.

3) Vocês já perceberam como os títulos das conquistas do Brasil soam cada vez piores à medida que a seleção vai ganhando campeonatos? Em 2002, eu já tinha achado péssimo que dali a 4 anos estaríamos em busca do HEXA. Mas depois dele vêm o HEPTA, o OCTA... e o ENEA! Convenhamos que ficar só com o TRI soa muito melhor.

4) Não vou precisar mais olhar para a cara do Parreira, do Robinho ou do Ronaldinho na 1a página dos jornais todos os dias às 7:30h da manhã. Se pelo menos "a paixão nacional" fosse o tênis feminino... E olha que torneio do Grand Slam tem o ano inteiro, todos os anos.

E, vejam só, ainda vou poder ir na academia na 4a feira!

domingo, agosto 21, 2005

Relatos de uma rave

- Sabe uma coisa que nunca entendi direito? Essa de ficar usando óculos escuros em rave... sei lá, às 4 da manhã já não está escuro o bastante?
- Ih, isso é por causa da bala... quando você usa, suas pupilas dilatam, e com isso esse jogo de luzes pode agredir o olho se você não estiver de óculos...
- Ah bom... Então toda essa galera que está aí de óculos escuros está usando substâncias?
- É... ou às vezes está só tirando onda.
- Ah, na próxima rave na certa que vou levar meus óculos escuros, só para tirar onda de surtado também...

Ou melhor:

- Tá, me empresta o seu.

---------- Tunti-tunti-tunti-tunti ----------

As 5 etapas do surto economista:

1. Você pula. Luzes, pessoas como você pulando junto à sua volta, momento feliz!
2. Frio. O calor humano dos outros milhares de alucinados não é suficiente, você sente frio, muito frio. Cruza e se protege com os braços, só que a etapa 1 ainda não acabou, você também pula, pula sem parar. Pulos ininterruptos com os braços cruzados, quase uma nova coreografia.
3. Debate econômico. São 4 e meia da manhã de sábado e você passa a falar compulsivamente sobre regressões simples, múltiplas, contas nacionais, as 3 metodologias de cálculo do PIB. Em uma típica e calorosa discussão do economista da PUC com a economista da UFRJ, são discutidas as influências neoclássicas sobre o pensamento de Keynes... Para minutos mais tarde se darem conta de que, na verdade, os neoclássicos vieram décadas depois de Keynes.
4. Entrincamento. O corpo entrinca, os músculos se contraem, nervosismo, ai de quem estiver com os braços perto, potencial alvo de apertos e beliscões.
5. Arrependimento. Em uma etapa mais do que conhecida pelos bêbados, você senta, diz que nunca mais vai fazer isso novamente, tá, onde vende pirulito? (EEEEEIIIII, esse é igual ao que vendia no meu colégio!!!)

---------- Tunti-tunti-tunti-tunti ----------

Às 10 da manhã, seu amigo já sentado na grama, esperando os efeitos alucinógenos passarem, ao mesmo tempo em que discorre compenetradamente sobre os impactos antagônicos que balas e doces têm sobre o estado mental das pessoas (em um complexo discurso que já se arrastava há pelo menos 1 hora). Antes de ir embora, um último conselho:

- Tá, só uma coisa, se na volta para casa você começar a ver carneirinhos cruzando a Av. das Américas em frente ao seu carro, não acelera! Eles não são de verdade.

---------- Tunti-tunti-tunti-tunti ----------

Às 11 da manhã, tomando café da manhã na padaria em frente aos bombeiros. Na verdade um suco de laranja estritamente natural, sem adição de açúcar e conservantes. Pois não é porque você veio de uma rave que não vai se preocupar com a saúde. Logo depois de derramar acidentalmente metade da garrafa em cima da lixeira na qual estávamos comendo:

- Caramba, ele estava alucinadão mesmo.
- Não é para menos, misturar bala com LSD é dose...

E sendo veementemente repreendido pela minha interlocutora:

- Ssssshhhh! A gente está no meio de uma padaria, olha, tem uma criança comendo coxinha atrás de você! Não é para falar essas coisas por aqui, foi por isso que inventaram essas metáforas, use bala, doce!
- Ih... É verdade, isso que dá ficar misturando bala com doce, não pode fazer essas coisas, é para ficar mal a noite inteira mesmo, açúcar demais... E ainda vai ficar cheio de cárie depois.

Bahia, o mestre do despistamento!

---------- Tunti-tunti-tunti-tunti ----------

Meio-dia, chegando em casa, minha mãe lendo jornal no sofá da sala.

- E aí filho, cansado?

E como, mesmo sem dormir, a gente não pode dar razão à mãe:

- Claro que não, olha para mim, tô pronto para outra!

E para provar, ainda na porta, volto a dançar da mesma maneira que há algumas horas atrás, aquela típica coreografia que só faz sentido quando você está no gramado em meio a milhares de dopados ao som de música eletrônica.

- Tá Marcelo, a vizinha pode passar aí, fecha essa porta e vai dormir, vai.

domingo, julho 31, 2005

Agendas

Quem não se lembra daquelas agendas antigas super-bacanas que mostravam uma série de datas (inutilmente) especiais, como Dia do Tintureiro, Dia do Eletricista, Dia Internacional do Jovem Trabalhador? Com certeza todo mundo já teve uma dessas.

Quando surgiram, ainda nos tempos do colégio, eram uns dos maiores baratos. Através delas nós, meros pré-adolescentes, podíamos nos dar conta de toda a nossa imensa ignorância em relação a datas como essas, tão importantes para o desenvolvimento e prosperidade da humanidade como a conhecemos. Não me interpretem mal, não digo isso querendo desmerecer todos os eventuais tintureiros, eletricistas e jovens trabalhadores leitores do blog.

Hoje em dia tudo isso pode soar até bobo, dada toda a difusão destas agendas formidáveis entre a molecada atual, mas naquele tempo era extremamente fascinante descobrir que, veja só, 26 de abril é, não só o Dia do Engraxate, mas também o Dia do Goleiro! Essa data eu não consegui esquecer até hoje!

Pois bem, em uma certa aula de Português da 5a série, em que entre uma oração coordenada e outra subordinada reinava a mais completa monotonia, 2 coleguinhas de mesas vizinhas à minha divertiam-se com uma dessas agendas.

- Ooolha, sabe que dia é hoje??
- Não, qual ?!?!
- Dia do Metalúrgico!!
- Pô, que legal!! Mas o que é um metalúrgico, você sabe?
- Ah, não, mas olha, não é só isso, hoje também é Dia da Latinidade!!!
- Que maneeeiro!!!! Mas e latinidade, você sabe o que é??
- Hum, não....

Após tais incríveis descobertas, o segundo garoto tira a agenda da mão do primeiro:

- Vamos ver o que são nossos aniversários! Olha, olha o meu... Dia da Igualdade da Mulher!
- Uau! Olha o meu aí, 13 de julho...
- Pera... Olha, Dia Mundial do Rock!!

Que massa! Naquela época eu nem sabia que o rock tinha um dia mundial só para ele! Isso parecia divertido, eu também queria entrar na brincadeira:

- Pô, olha o meu aí também, 10 de dezembro!!
- Deixa eu ver...

Meu coleguinha, assim que chegou na página do 10 de dezembro, desandou a rir. O garoto chegou a ficar vermelho feito um pimentão em plena sala de aula. E quando mostrou a agenda para o segundo, eram dois quase caindo da cadeira. Eu, perspicaz como sempre, já desconfiava que havia alguma coisa errada com o dia do meu aniversário...

O garoto, rindo horrores ainda, finalmente me passou a agenda.

Pois é, inacreditável.

“10/12... DIA DO PALHAÇO” !

E minha incrédula expressão facial foi mais um motivo para meus amiguinhos cairem ainda mais na gargalhada. Fui tomado por uma revolta sem precedentes. Com 365 dias para escolher, não era possível que eu nascesse justamente no Dia do Palhaço. Eu, que já não era muito satisfeito com o dia de meu aniversário (é muito perto do Natal, e por isso eu só ganhava um presente por ano da maioria das minhas tias distantes), fiquei ainda mais inconformado. Absolutamente inaceitável.

Meu trauma foi tão grande que cheguei inclusive a fazer novas pesquisas sobre a data, e descobri que esse era também o Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Ambos mais importantes do que qualquer palhaço que você vê por aí. Também foi o dia de nascimento da escritora Clarice Lispector, em uma daquelas cidades de nome impronunciável na Ucrânia. Mas tudo isso era inútil. Como muitas coisas na vida, a primeira impressão é a que fica, e eu seria até o fim da 5a série o cara que nasceu no Dia do Palhaço. Malditas agendas que vangloriavam palhaços, em vez dos merecidos índios ou dos nossos próprios direitos humanos.

Por essas e outras que hoje em dia nada me faz abrir mão do calendário do Word, um que com certeza não vai zoar com a minha cara, colocando palhaços no lugar de honra de suas páginas do 10 dezembro.

domingo, julho 24, 2005

Telefones - parte II

Em uma terça-feira qualquer, às 10 e pouco da noite. Eu já quase indo dormir. O telefone toca.

- Riiiiiiing..... Riiiiiing.....
(notem, mais uma vez, a partir das minhas formidáveis simulações de campainhas de telefone, como o toque do aparelho do meu quarto é TOTALMENTE diferente do de meu trabalho)

- Alô.
- Alô, Marcelo?
- Sim, é ele.
- Oi Marcelo!! Aqui é Lidiane!!

(silêncio)

E lá estava meu cérebro, já tão acostumado a trabalhar em decalésimos de segundo sob a pressão do telefone, revirando gavetas em meio a sinapses e mais sinapses, tentando se lembrar quem diabos era Lidiane.

Mas o cérebro de Lidiane também era igualmente rápido, e mesmo esses decalésimos de segundos de silêncio já foram suficientes para gerar impaciência:

- Marcelo! É Lidiane! Lidiane, de Friburgo!!!!

(silêncio, aliado agora a uma pitada de desespero)

Céus, eu não sabia quem era Lidiane, muito menos a Lidiane de Friburgo! O pior é que nos últimos tempos eu fui umas 3 ou 4 vezes a Friburgo, e todas eram ocasiões de festas e churrascos, daquelas em que você conhece até a amiga da namorada do primo do vizinho do seu colega de turma. Por mais que esse não fosse um nome exatamente comum, era altamente provável que em uma dessas festas eu tenha, de fato, conhecido uma Lidiane. E ela lá, íntima o suficiente para me ligar depois das 10 da noite (olha que meu horário-limite para telefonemas durante a semana é ainda mais rígido, 9 e meia no máximo), e eu sem nem saber quem era aquela pessoa. Para quebrar um pouco do silêncio, não tive outra saída senão adotar a infame tática do er.

- Er... bem... Lidiane... er...

Pfff, esse lance do er NUNCA dá certo...

- Mas seu pilantra safado duma figa, como assim você não se lembra de mim?!?!??!

Eu, ainda sem compreender a gravidade da situação, pensava que poxa, tremendo exagero, tudo bem que eu não me lembrava dela, mas isso também não fazia de mim um baita pilantra safado duma figa. Para mim não tem nada mais ofensivo do que, além de ser safado, ser também um safado duma figa. Na 2a série primária isso era um dos mais graves xingamentos que um coleguinha podia usar contra o outro.

- Olha, peço mil desculpas, mas eu não me lembro de você, de onde mesmo a gente se conhece? – eu, inutilmente, tentando imprimir um tom conciliador, ao mesmo tempo em que procurava ganhar tempo para realmente me lembrar dela.

- Rããããããããããããããããn .!.!.!.!.! (o som e o tom de fala emitidos pela Lidiane nesse momento são intraduzíveis para a linguagem textual) COMO ASSIM ???? Depois da festa da Vânia (“Vânia? Que Vânia?? Eu não conheço nenhuma Vânia!!” – pensava), e de todo o resto do final semana, você ainda tem a cara-de-pau de se fazer de desentendido?!?!

Aaaaah, era isso. O Marcelo ficou com a Lidiane na festa da Vânia, deitou e rolou com ela no restante do final de semana, e agora ela estava, como era de se esperar, cobrando um mínimo de reconhecimento. Compreensível. Eu realmente só esperava que esse Marcelo não fosse eu mesmo.

- MAR-CE-LO ROCHA, que palhaçada é essa ?!?!?!

Aaahhh !!!

Respiração aliviada... E boca cheia para falar:

- Olha Lidiane, você me desculpe, mas meu nome não é Marcelo Rocha... você ligou para o Marcelo errado, eu sou Marcelo Bahia...

Nessa hora eu já estava morrendo de rir. Por dentro, é óbvio.

- Ãããããããn... (uma expressão tão esquisita quanto o “Rãããn” de um minuto atrás. A Lidiane é realmente muito boa nisso) Ai meu Deus, me desculpa, me desculpa!!

- Calma, relaxa... (Por mais que para mim “safado duma figa” seja uma ofensa quase que imperdoável, eu estava no clima de relevar)

- Não, ai meu Deus, esse é o xxxx-xxxx?

- Sim, é esse mesmo.

- Ai, eu devo ter pego o telefone errado, desculpa, desculpa... Desculpa mesmo... (Nossa, eu não ouvia tantas desculpas em uma frase só desde as aulas da Clementina no São Bento... A Clementina era uma professora de português super-simpática que tinha mania de desculpas, era daquelas que pedia desculpas até quando dava nota baixa para a gente na prova)

- Olha, não precisa ficar sem jeito, esse tipo de coisa acontece com todo mundo, toda hora... (Hehehe, até parece! Ei, eu só estava querendo ajudar)

Só que ela estava definitivamente sem jeito, e acabou se enrolando mais ainda:

- Ai, mas você deixa isso pra lá, né? Ah, quem sabe a gente até não bate um papo dia desses, né?

- Ô... Claro, claro, por que não? (como vocês vêem, decidi adotar a mesma tática da vendedora do sinal do Diálogos)

- Ah, que bom, que bom! Até logo, Marcelo!

- Até.

----------

Já se passaram 2 meses, e Lidiane nunca mais ligou.

Humpf, e depois reclama do Marcelo Rocha.