sexta-feira, maio 28, 2004

Estradas e liberdade

Sempre tive enorme fascínio por estradas. Provavelmente por culpa de Hollywood, para mim elas sempre foram sinônimo de liberdade.

Quando penso em estradas me vem à cabeça aquela tomada aérea de um Maverick dourado, no meio de uma estrada deserta do Texas, a 140 km/h, indo do nada para lugar nenhum. Em seguida, uma tomada de perfil do motorista, que com o vento na cara e seus óculos escuros dá leves balançadas de cabeça ao som de "Roadhouse Blues". Jim Morrison berrando sem parar... "mantenha seus olhos na estrada e suas mãos sobre o volante"... tá bom, como se o motorista realmente se importasse.

Desde pequeno pensava no dia que tiraria minha carteira, sentaria num carro e colocaria o pé na estrada (esse é um dos clichês mais horríveis que existe). Meu local de destino não teria importância... o que realmente importava era a alta velocidade, o sol no asfalto, o vento e a "Born To Be Wild" tocada em alto volume. Nesta época, meu sonho secreto era passar 3 meses viajando de carro Brasil afora, desde Pantanal, Amazonas e Rio Grande do Sul ao Maranhão, grande terra do seu Bigode, além de ser o local onde nasci.

Para minha surpresa, depois que finalmente e imprudentemente o DETRAN me autorizou a sentar diante de um volante, me dei conta de que as coisas não eram tão simples assim. Financeiramente falando então, nem se fala. Rodar alguns milhares de quilômetros em apenas 3 meses envolve um gasto que definitivamente não tenho condições de suportar.

Além disso, como é de praxe, nem mesmo depois de tirar a carteira pude pegar o carro e ir para a estrada. Com todas as barbeiragens que fiz até ter uns 6-7 meses de direção, não tinha a menor condição de viajar nem mesmo do Rio até Itaipava. Dentre as inúmeras besteiras que fiz, houve desde arranhar o carro em uma árvore do estacionamento da faculdade (ridículo isso) a amassar toda a porta do carona na garagem do meu prédio. Nessa ocasião eu arranquei um pedaço tão grande da parede que caprichando um pouco mais dava para comprometer a estrutura de todo o prédio (hehehehe, calma, é brincadeira). Quem via a porta diria que eu tinha sido porrado por um ônibus, mas no fundo foi tudo fruto de uma inocente manobra feita de madrugada, na volta de alguma dessas saídas com o pessoal. Dá um tempo, eu estava cansado, pô!

Enfim, depois de ter dirigido até Juiz de Fora em uma viagem ilegal com meus pais, ainda com a carteira provisória, encarei a estrada pela primeira vez sem os ditos cujos no último sábado, dia 22. O pessoal da faculdade organizou um churrasco no sítio em Teresópolis do Tijolo, um dos caras da turma. Pronto, já era, dessa vez não tinha como. Até para não ter que contar com a carona de algum alcoolizado coleguinha na volta, o melhor que eu podia fazer era ir no meu próprio carro mesmo. Meus pais reclamaram menos do que eu esperava. Engraçado, passei os últimos meses escutando a Luísa chiar o tempo inteiro sobre uma viagem a Itaipava que a gente acabou não fazendo, principalmente por causa do lance de dirigir na estrada, e agora que a gente termina eu vou pra Teresópolis... a vida às vezes é verdadeiramente irônica.

Bom, agora era a horar de tirar a prova, de sentir na pele pelo menos parte do meu sonho de criança livre e rebelde.

Mas pra começar, logo antes de sair da cidade do Rio de Janeiro já me acontece algo que corta completamente o clima do dia. Definitivamente não é o tipo de coisa que aconteceria com o piloto do Maverick dourado. Parei em um sinal pouco depois da Quinta da Boa Vista, num daqueles com uma horda de garotos malabaristas. Eles sistematica e planejadamente se distribuíram entre as fileiras de carros e começaram a jogar suas bolas de tênis para o alto. Depois que aquele que estava na frente do meu carro acabou, veio do lado da minha janela, olhou pra minha cara, olhou para o garoto que estava no carro de trás e me solta: "Viu, não falei que era um menino de cabelo de grande, e não uma mulher". E explica para mim: "Pois é, ele tinha falado comigo que era uma mulher"... e depois esboça um amplo sorriso na cara. Vai tomar banho! Que moleque atrevido. E depois ainda teve a cara de pau de me pedir dinheiro!!! Depois dessa fiquei realmente com vontade de colar no meu carro um daqueles adesivos "NÃO tenho dinheiro, NÃO sou seu tio e ODEIO MALABARISTA!!!!" (essa é cruel, mas é ótima também)

Depois do episódio segui meu caminho rumo à Linha Vermelha e à Rio-Teresópolis. Seria hora de pisar fundo e ligar o som BEEEM alto, não?

Bem, não. Assim que saí da Linha Vermelha e fui subir a Rio-Teresópolis me dei conta de quão inapropriado meu carro era, pelo menos no que diz respeito ao meu fim excuso. Longe de correr em uma mega highway a 140 quilômetros por hora, meu Palio 1.0 passou a maior parte da subida da serra na 2a, ou, no máximo, na 3a marcha. Ao invés de "dono da estrada", que a percorreria sem sombra de vida animada por perto, vi formar uma fila de carros atrás de mim, todos indignados com minha lentidão e com a impossibilidade de ultrapassagem na serra. A Rio-Teresópolis é uma mão dupla com uma pista de cada lado e repleta de curvas o tempo inteiro. É, meu Palio formava fileiras de carros assim como os infames ônibus lotados do Alto da Boa Vista.

Mas não era só isso. Naquele sábado fazia um frio infernal no Rio. O fato de eu estar na serra só piorava a situação. Assim, nem mesmo o vento na cara eu podia aproveitar, a não ser que quisesse ver minhas bochechas congelarem. Tudo bem, janela fechada então.

Pra completar, nem mesmo meu bom e velho "Born To Be Wild" dava para escutar. Há um tempo atrás tive meu carro arrombado quando o deixei na rua à noite e na falta do que levar os safados pegaram o meu porta-CDs, que tinha cerca de 60 CDRs dentro. Isso é o que os economistas tipicamente denominam situação ineficiente de Pareto: aqueles funkeiros-pagodeiros-ou-o-que-quer-que-o-valha provavelmente não tiraram muito proveito de uma porrada de cópias de cds de rock e power metal, e eu tive que em plena semana de provas ir levar o carro para consertar a porcaria do vidro e arcar com um prejuízo de 120 reais. Ambos estariam melhores se nada disso tivesse acontecido, não é mesmo? Por causa disso, tudo o que eu tinha no carro agora era um bando de CDs de "happy metal lalala" da Luísa (ou metal melódico para os fãs do gênero), além de um CD de folk metal espanhol de uma banda chamada "Mägo de Oz". Bom, já que não dava para escutar Steppenwolf, e metal lalala definitivamente não combina com estradas, o jeito era ficar escutando as flautas e os violinos felizes do Mägo mesmo. É, no final das contas a coisa não chegou nem perto de ser como eu imaginava.

Bom, mas pelo menos fui de carro, e não de ônibus ou carona. Então dane-se, tenho mais é que agradecer mesmo, não é verdade?

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E não, esquece Sato. Não vou emprestar o carro para vocês irem encher a cara na Octoberfest daqui há alguns meses.

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Eu ia falar sobre a passada na Via Show que eu, Roberta, Rafael e André demos na volta de Teresópolis, mas o post já está grande demais e essa história também está fora de contexto. Deixa pra lá então.

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Vindo bem a calhar, eis o pensamento da semana, para aqueles momentos em que você estiver insatisfeito com a vida:

"Nasci pelado, careca e sem dente.
O que vier é lucro."


No fundo não deixa de ser verdade.

Até semana que vem!