domingo, janeiro 30, 2005

Porque todo mundo tem uma fábula de sábio chinês

Era uma vez um sábio chinês que, não obstante toda a sua sabedoria, ainda era cercado de várias e várias dúvidas.

Queria entender o porquê de a chuva varrer o solo de forma tão inconstante e injusta, privando alguns de sua riqueza vital, ao mesmo tempo em que trazia abundância a tantos outros. O porquê das formas magníficas tomadas pelas nuvens, conduzidas pelo vento que sabe-se lá de onde veio, sabe-se lá para onde vai. O porquê de as andorinhas voarem com tamanha graciosidade, ainda que não parecessem saber exatamente aonde iam. Quem definia o trajeto dos rios, quem tracejava o caminho das pedras? Como a natureza havia montado esse mecanismo tão perfeito, em que aqueles que perecem e apodrecem se tornam alimento para os que estão por vir. E a morte, que pega a gente de surpresa, por mais que muitas vezes ainda tivéssemos tanta coisa para fazer e construir. Por mais que às vezes a gente ainda não tivesse nem terminado o que estávamos fazendo no momento de sua visita. Ah! O copo de whisky pela metade, o sonho interrompido do doente.

Por não encontrar tais respostas dentro de seu sábio ser, decidiu correr o mundo atrás delas. Caminhou incessantemente por anos a fio, conversou com os maiores sábios do globo (ei, não somos apenas nós, meros mortais, que estamos submetidos a essa chatice denominada hierarquia) . No entanto, nunca estava satisfeito com as respostas que lhe eram dadas.

Foi ficando cada vez mais insatisfeito, desiludido, cada vez menos sábio. Quanto maior a sabedoria, maior é a frustação de não saber. Ele sabia que tanta sapiência não lhe valeria de nada, se não fosse nem mesmo capaz de acalmar suas próprias inquietações.

Um dia, em mais uma de suas caminhadas, tropeçou numa pedra. Escorregou e caiu em um rio. Apesar de sábio, não sabia nadar. Morreu afogado. A correnteza acabou por levá-lo para um pequeno clarão de terra, a poucos metros dali. Um grande bando de andorinhas pegou-o pelos braços e pernas, carregando-o para o pico da montanha mais alta da região. Jogaram seu corpo sobre a terra e partiram, sem rumo. Caía uma chuva dos infernos. Subitamente, passou a ventar forte e as nuvens se abriram. Do solo e seu corpo, os raios solares fizeram uma tatuagem.

A chuva varreu-o de volta para a terra. Agora, eram um só.

MORAIS DA HISTÓRIA:

1) A sabedoria, dentre muitas coisas, é teimosa. E burra.
2) Sábios aqueles que ouvem Drummond, pois suas vidas são poupadas pelas pedras no meio do caminho.

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Se você ainda não teve sábios chineses o bastante por hoje, vamos lá, vá em frente e baixe esta música. Para falar a verdade, foi depois de escutá-la dia desses que tive vontade de escrever este texto.

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E para os que gostam de refletir... eis aqui uma pergunta de um típico leitor de fábulas pentelho:

"Seria o sábio realmente tão sábio quanto acreditava ser? Ou ele não seria tão sábio quanto gostaria de ser?"

A melhor resposta ganha um biscoito de arroz.