domingo, março 20, 2005

Revelações subterrâneas

Há 1 ou 2 meses atrás aconteceu uma coisa estranhíssima comigo. Era uma 2a feira de manhã, por volta das 7 horas, e eu estava no metrô, a caminho do estágio. Para me distrair na viagem, catei a "Veja" lá de casa e levei-a para ler no caminho. Como já sabia de antemão que na "Estácio" o trem ficaria entupido com a entrada do turbilhão de pessoas que sempre aparecem naquela estação, tratei logo de me encostar na parede do lado da porta. Assim eu sofreria menos com o esmagamento tão comum naquele transporte público em que "anda toda a qualidade de vida do Rio de Janeiro". E de repente até conseguiria um espacinho vazio para continuar minha leitura em paz.

Que foi o que de fato eu consegui fazer. Ao menos em um primeiro momento. Foi então que, sei lá porque, caí na besteira de desviar meus olhos da revista por alguns instantes e olhar à minha volta. Sabe como é, aquela coisa que mistura um pouco de curiosidade e instinto, que faz você involuntariamente querer tomar conhecimento do que está acontecendo à sua volta. Esse foi meu erro. Assim que olhei para a minha esquerda, já havia um velho grisalho e barbudo olhando para mim, e, no exato momento em que nossos olhares se cruzaram, ele começou a falar comigo. Mas calma lá, não era um daqueles papos de "velho com jovem" típico de lugares públicos, em que o sujeito lhe diz um "Olá" e já se acha no direito de contar toda a sua infância para você, de enfatizar como "os tempos de hoje são diferentes", e de quão absurda tal situação é. Não foi assim, até porque não teve nem "Olá". Na verdade, o velho já começou sua fala no meio de uma frase. É sério, era como se nós já nos conhecêssemos e houvéssemos tido um baita papo antes, e ele naquele momento estava apenas retomando o diálogo interrompido. Dado que ele já estava olhando para mim quando o fitei, parecia que ele estava apenas esperando que eu o olhasse para que começasse a conversa. Não me foi dada a menor opção de escolha de querer ou não participar daquela interação. O velho falava, falava, falava ininterruptamente, sem parar de fitar nos meus olhos por uma fração de segundo que fosse. Um dos aspectos mais desesperadores era justamente que ele não parava de falar ou me olhar, logo eu não tinha nenhuma chance de tentar desconversar ou interromper o "diálogo". Eu olhava para as pessoas à minha volta, buscando algum tipo de ajuda, ou pelo menos algum tipo de comoção com a minha situação, algum olhar de solidariedade, alguém que estivesse ao menos percebendo o que estava acontecendo, sei lá. Mas nada. Parecia que cada pessoa estava olhando para um canto diferente do trem e ninguém se dava conta da simples existência do velho. Igualzinho àquelas cenas de filme, em que o personagem é assolado por visões que ninguém mais tem e começa a ficar louco. O pior mesmo era que, como o metrô estava lotado, o barulho das pessoas falando era ensurdecedor, e com isso eu não conseguia entender quase nada das importantes coisas que o velho tinha para me dizer. Obviamente, adotei a melhor tática para quando alguém está falando coisas sérias para você e você não tem a menor idéia do que se trata: o sinal afirmativo com a cabeça. Ele falando sem parar e eu lá, apenas concordando com tudo com a cabeça, torcendo para que ele no meio daquelas frases não me fizesse nenhuma pergunta que tivesse uma resposta diferente de "sim" ou "não (coisa que, pelo andar da carruagem, definitivamente parecia que não ia ocorrer). Mas, para ser menos radical e falar a verdade, eu de fato consegui distinguir três das palavras dele: "tempo", "Deus" e "amor". Pelo menos uma vez por frase eu conseguia ouví-lo dizendo uma destas palavras. Se eu tivesse que chutar, diria que todo o discurso era algo relacionando "a falta de tempo de hoje em dia" e com "a falta de Deus e amor" no coração das pessoas. Hum, ou não. Acho que não havia nada parecido com "coração" no meio daqueles balbucios dele.

A aparência do velho tornava a cena ainda mais surreal. O cabelo branco todo desgrenhado e comprido, bigode e barbão, parecia mesmo um daqueles profetas da Bíblia ou anjos que Deus costuma enviar para falar com os homens nas produções de Hollywood. Na hora, realmente achei que o que estava acontecendo comigo era um fenômeno sobrenatural, de Deus puxando a minha orelha e tal. Só podia ser isso. Não por acaso... Apesar de ser agnóstico, no dia anterior (domingo), eu havia tido um baita papo com Deus (papo esse que, algum dia, deverá se tornar um post para o blog), em que me dei ao direito de tirar algumas satisfações com Ele, sabe, lhe dizer umas boas (e outras más) verdades.

Apesar de, na hora do ocorrido, ter sacado logo que aquilo era alguma armação de Deus, depois de pensar sobre o assunto ao longo do dia, concluí que só poderia estar enganado. Não seria muito inteligente da parte de Deus mandar um de seu anjos falar comigo em um lugar tão barulhento como um trem de metrô encachapado. Eu, no lugar dele, se estivesse realmente preocupado em transmitir alguma "mensagem" para alguém, com certeza iria escolher no mínimo um lugar em que se pudesse ouvir o que eu estava querendo dizer...