domingo, abril 03, 2005

Assobiando

Um dos grandes traumas da minha infância era não saber assobiar. Ficava indignado como, no colégio, parecia que todos os meninos, exceto eu, sabiam fazê-lo. Parecia uma coisa tão simples, tão idiota! Ainda assim, quando eu fazia o maldito biquinho e soprava, nunca saía nada. Aquilo me incomodava tanto que, em certa ocasião, passei cerca de 4 ou 5 dias fazendo profundas experiências no meu quarto com a minha boca. Tentava fazer todos os tipos de bicos possíveis, soprava para cima, para baixo, para os lados, até fazia caretas para ver se ajudava. E nada. Então larguei de mão.

Quando já estava com 13, 14 anos, aqueles que queriam me consolar sempre me diziam que assobiar era algo que você "meio que aprendia sozinho", quando era menor. E se você não havia aprendido até hoje, não ia ser agora que isso ia acontecer. Era como andar de bicicleta. Legal, só que eu também não sabia andar de bicicleta. Aliás, não sei até hoje. Ótimo, então agora eu podia me alegrar com o fato de que, além de ser o único da turma que não sabia assobiar, também era o único que não sabia andar de bicicleta. Felizmente, com o passar dos anos, fui me conformando com o estado das coisas e atualmente levo uma vida perfeitamente normal e agradável, sem que para isso precise assobiar e muito menos andar naquela geringonça de duas rodas que sempre me derrubava no chão.

Isso até pouco tempo atrás. Recentemente fui confrontado com uma situação em que não tinha jeito, eu precisaria saber assobiar. Inicialmente tive um pouco de resistência, pensava "Não, não sei fazer isso, nunca soube, já tentei aprender, não consegui...", mas no final das contas me convenci de que, com 21 anos de idade, já estava mais do que na hora de acabar com este estigma. Não sou mais uma criança de 9 anos e já aprendi coisas muito mais complicadas do que isso nesses últimos anos. Fora que hoje tenho uma "base" muito melhor para embarcar nessa empreitada. Graças às aulas de 2o grau, tenho algum embasamento de Física e Biologia para entender os complexos mecanismos por trás desta particular modalidade de emissão sonora. Nâo pode ser tão difícil, deve ser só uma questão de aerodinâmica labial, respiração e controle e manipulação de ar... ora, até os passarinhos fazem isso.

Como achei que seria bastante ridículo da minha parte parar algumas de minhas atividades rotineiras para, bem, "treinar assobios", optei por realizar esta prática em conjugação com outras, contanto que não houvesse alguém por perto. Dentro da rotina de minha semana, só achei um "espaço de tempo" com características adequadas para o treino: o tempo em que passo andando na rua. Nessa brincadeira de andar-até-o-ponto-de-ônibus-andar-até-a-faculdade-almoçar-andar-até-o-trabalho-pegar-metrô-e-voltar-para-casa-depois, passo pelo menos uns 60 minutos por dia andando por aí. Um tempo claramente mal aproveitado e inútil, não há mesmo muita coisa interessante para se fazer enquanto você anda entre pontos de ônibus e estações de metrô. A verdade é que sempre fiquei bastante entediado nesses trajetos, e há anos que vinha pensando em alguma idéia mirabolante para me entreter nessas horas. A idéia do assobio, portanto, se encaixou de forma magnífica. Agora, virou praxe: se estou andando pelas ruas, sempre vou e olho para um lado, depois para o outro, e, se não tiver ninguém por perto, lá tô eu assobiando. É claro que, ao utilizar esse "espaço de treinamento", você pode ficar sujeito a situações desagradáveis. Essa semana mesmo uma mulher passou inadvertidamente perto de mim, bem no momento em que eu estava dando aquela "baita assobiada", e ficou furiosa comigo, achando que eu a estava cantando ou algo do gênero. É aquele tipo de coisa que só acontece comigo mesmo. O pior é que ela nem era tão bonita assim.

O progresso foi bem mais rápido do que eu esperava. Vai entender, o fato de eu estar mais maduro deve ter realmente facilitado esta minha 2a tentativa de aprendizado. Depois de uma semana já conseguia emitir aquele "barulhinho básico" de assobio com alguma clareza. Achava que ele estava tão satisfatório que até me arrisquei, vez por outra, a assobiar perto de algumas pessoas conhecidas. Dia desses, por exemplo, enquanto passava no quarto do meu irmão para pegar um sapato, soltei alguns assobios quase que sem querer. Ele estava no computador e até estranhou: "Ué, tá assobiando agora, é?". Eu, obviamente, me fiz de desentendido: "Que isso... sempre assobiei, cara!". Ainda não consigo fazer melodias, mas acho que isso será só uma questão de tempo.

É, só falta agora eu aprender a andar de bicicleta.