domingo, abril 24, 2005

Muito melhor do que a Bienal

Essa é uma dica que, infelizmente, não será útil aos leitores “estrangeiros” do blog.

Está rolando naquele largo na Cinelândia (cujo nome não sei... é até provável que seja “Largo da Cinelândia” mesmo) aquela tradicional feirinha de livros usados, em que alguns dos melhores sebos da cidade montam pequenos estandes no meio da rua. De 2a a 6a, o movimento começa lá pelas 9 da manhã e se estende até 8 da noite. Nos sábados, a feira termina mais cedo, por volta das 3 da tarde.

Para mim, esses cerca de 30 estandes é que constituem o grande evento de venda de livros da cidade. Isso mesmo, não fique aí pensando, ingenuamente, que a Bienal do Livro é o verdadeiro “ó do borogodó” do assunto (por alguma estranha razão essa expressão sempre me lembra professoras de História da 7a série). Então você pergunta:

“Ei, por que a feira da Cinelândia é tão bacana?”

Bem, primeiro vamos ver porque a Bienal NÃO é bacana. Em primeiro lugar, com tantas livrarias gigantescas e confortáveis como Saraivas Megastores por aí, que têm inclusive pequenas poltronas para você ler o livro todo nas horas de almoço sem pagar, a verdade é que você já consegue achar todos os livros que vão estar na Bienal entrando em apenas 2 ou 3 grandes lojas da cidade. Outra, a Bienal é no Riocentro. Isso quer dizer que ela é longe. Depois da Barra, no meio do pântano. E é cheia, barulhenta, além de ter um estacionamento que custa os olhos da cara (embora você, em vez de cometer tamanho ato de auto-flagelamento, possa também pagar em dinheiro). Além da gasolina que você gasta a mais para chegar lá, em meio a tanta lama e jacarés no meio do caminho, bem como postos de gasolina em que a gorjeta, pasmem, é 2 (!!) reais, o dobro da gorjeta-padrão do resto da cidade. Convenhamos, é muito melhor comprar livros pela Internet.

Pois pasmem ainda mais... a gorjeta que você vai deixar com o cara do posto no meio do caminho é o preço de muitos dos livros da Feirinha de Livros da Cinelândia (que de agora em diante passará a se denominar FDLDC). Quase todos os estandes da FDLDC possuem uma seção especial em que qualquer livro custa X reais, em que X é 1,2,3,4 ou no máximo 5 reais. Garimpando um pouco, você acha verdadeiras pérolas. Por exemplo, em um dos estandes essa seção era dominada por livros de auto-ajuda em espanhol da década de 70. É sério, acreditem em mim. Em outro, encontrei um livro técnico de Economia em inglês, importado, com aquele “papel bom” e capa dura: “Projeções a partir de análise de séries temporais”. Análise de séries temporais é uma coisa que a gente costuma aprender no 3o ano do curso de Economia. Quase todos os livros sobre o assunto que se encontram por aí são importados e não custam menos de 100 reais. Este livro parecia muito bom e continha alguns artigos de professores de universidades da Inglaterra e Austrália. Preço: 5 reais. Só não comprei porque tinha certeza que, no final das contas, não ia ler mesmo.

“Ah, fala sério Marcelo, por acaso passei lá dia desses, a única coisa que vi foram um bando de barraquinhas de madeira vendendo uma porção de livros velhos... maior tosqueira, praticamente um camelódromo literário”...

... não, Não, NÃO !!

O melhor da FDLDC é justamente isso. Ao contrário da Bienal, na qual você vai achar exatamente os mesmos livros da livraria da sua esquina, ali você encontra um bando de coisas que simplesmente não são mais editadas, e a preços ridiculamente baratos. Um dos estandes estava vendendo uma coleção completa com 17 livros adultos do Monteiro Lobato, todos com aquela capa-dura mega-trabalhada antiga. 120 reais. Isso mesmo. Faça as contas, são 7 reais por volume. É quase o preço que você pagava por livro naquela coleção de clássicos furreca que vinha com o jornal O Globo. Nunca li nenhuma das obras adultas do Monteiro Lobato (mal li as infantis), mas tive a maior vontade de comprar só para fazer companhia à minha coleção do Machado de Assis, também de capa-dura e super-bacana, comprada pelo meu avô há mais de 40 anos com um mascate perambulante que passou uma vez por Muriaé (isso mesmo, mordam-se de inveja, eu tenho uma coleção do Machado de Assis comprada de um mascate perambulante na década de 60)

É óbvio que não resisti e, apesar de estar passando por um período de séria contenção de gastos (malditos ladrões de carros e chapéus de carnaval), em poucos minutos comprei 3 livros. Sem querer, passando por uma seção de tudo por 3 reais, vi um livro de trovas de um tal Onildo de Campos, que nunca ouvi falar. A capa já me agradou: “-Por que matar um poeta/se é irmão de Deus, quer viver?!/- Porque a morte, analfabeta,/seus versos não sabe ler!”. Folheei rapidamente o interior, também era legal. Comprei. Bolas, era só não comer sobremesa no almoço por 2 dias que eu pagava o livro. Ainda ganhei de brinde uma dedicatória manuscrita do próprio autor, datada de 1989. Coisas que só a FDLDC faz por você.

Mas o melhor ainda estava por vir. Eu estava quase indo embora, já praticamente na porta de saída (ou seja, no final do corredor dos estandes), quando vejo em uma das estantes, meio que de relance, 2 livros antigos do Mário Quintana, desses que você dificilmente vê por aí hoje em dia. Meu rosto brilhou (OK, meu rosto não brilhou nada. Eu só arregalei os olhos, que é o que sempre faço nessas situações. E, lamentavelmente, em um monte de outras). A decisão de comprá-los já estava feita no mesmo momento em que meus olhos cruzaram com eles. Paguei-os com satisfação e lá fui eu almoçar, feliz e contente, em companhia de “seu Quintanão”, como diria meu amigo Rizzo.

Explicando: lá nos idos do 2o grau, em um dia que meu pai foi me buscar no São Bento por sei lá que razão, o Rizzo estava comigo. Ele nunca havia conhecido ou encontrado com meu pai na vida. Estávamos nós 3 conversando, conversa vai, conversa vem, e então meu pai dá a deixa para irmos embora. O Rizzo mora perto da São Francisco Xavier, é praticamente meu vizinho, e obviamente ia fazer bom uso de uma carona. Então dirigiu-se ao meu pai:

- Mas então, rolaria uma carona, er ...

E em seguida virou-se para mim, interrogativo, com aquela típica cara de Bahia, me salva!. Desde o início da conversa ele não sabia o nome do meu pai! O problema era que agora ele já havia dado um tom na frase que dava a entender que ela teria continuação, não havia como fugir.

Tentei ser prestativo, falando o nome do meu pai com os lábios. Só que o Rizzo caiu no azar de o nome do meu pai ser “Ismail”. Não tem porteiro ou telefonista de empresa de cartão de crédito que acerte o nome dele. Logo, não ia ser através de leitura labial que o Rizzo ia acertar. Como nosso “pequeno silêncio” já estava tomando algum tempo, meu amigo não teve outra saída senão prosseguir, apelando para seu próprio plano de emergência:

- Mas então, vai rolar uma caroninha né... "seu Bahião"!

Não preciso nem dizer que esse episódio entrou definitivamente no “folclore” das histórias da galera. Mesmo aqui em casa, quando o nome do Rizzo é mencionado, ela é sempre lembrada. E é claro que, nas outras vezes em que meu amigo e o “seu Bahião” se encontraram, meu pai, sendo quem é, teve que sacanear o coitado.

E lá estou eu mudando de assunto de novo... Bom, mas a moral da história é essa (isso mesmo, deixo ao gosto do leitor interpretar esse essa como bem entender).

No entanto, agora trago a revelação chocante: você acha que para fazer um post desses eu passei algumas muitas horas na FDLDC??

Nada disso. Passei apenas uns 20 minutos, espremidos em um de meus horários de almoço da semana passada. Sim, tudo que relatei acima adveio de uma visita de apenas 20 minutos! O que prova a riqueza de tal programa. Até eu tenho que reservar um dia para ir lá com mais calma, algo que devo fazer em breve.

A FDLDC vai até dia 17 de maio. Aproveitem.