domingo, julho 09, 2006

De como a voz passiva não serve ao seu propósito

Era um sábado à tarde, eu prestes a ir a um churrasco de um amigo em Itaipava. Ressuscitado o bom e velho Palio, não era como se eu estivesse exatamente adiantado no quesito “horário” (lembrem-se que macrobióticos precisam forrar o estômago antes de ir a um evento de apreciação de carnes e cerveja como esse).

Como uma pessoa precavida e prudente, minha viagem é obviamente precedida de um abastecimento no posto, com direito a checagem de água e óleo e calibragem dos pneus e estepe. E foi exatamente quando os problemas começaram.

Logo após a calibragem do estepe, no curto espaço de tempo entre sua armazenagem e a batida final do porta-malas, as chaves do carro simplesmente fugiram da minha mão de uma maneira extremamente engenhosa, sem que eu pudesse perceber ou levantar qualquer suspeita de tal comportamento. Esta suspeita só ocorreu no momento em que fui inutilmente tentar abrir a porta do motorista, tarefa esta que se torna deveras mais complicada quando as chaves se encontram trancadas no porta-mala.

Sim, uma situação vergonhosa. Assim como no segundo post do blog, não vejo minhas glórias automotivas se materializarem como nas velhas músicas de rock ‘n’ roll. Saí a pé pelas redondezas do posto em busca de algum chaveiro que estivesse de plantão e pudesse ser capaz de arrombar a porta do meu carro, resgatando a chave rebelde. Detalhe que, enquanto isso, com o carro estatelado em frente ao calibrador, ninguém mais no posto calibrava pneus.

Minha busca foi extremamente mal sucedida. Não tive outra opção senão apelar para a solução última, ligar para o seguro. Fui atendido pela simpática Sílvia:

- Boa tarde, qual é o problema?

Neste momento, por alguma razão, senti uma súbita vergonha de toda a situação. Sim, tenho plena consciência de que a probabilidade de eu não conhecer Sílvia e de nunca vê-la em toda a minha vida é absurdamente alta. Mas, ainda assim, me vi sem-graça, sem saber como explicar a ela de uma maneira minimamente satisfatória como fui responsável por feito tão pouco grandioso como esse.

Foi quando, em um repentino lampejo de esperteza e sabedoria, as palavras adequadas me vieram à cabeça:

- Bem Sílvia, o que aconteceu foi que o carro foi trancado e a chave estava dentro do porta-malas...

Sim, sim, “o carro foi trancado e a chave estava dentro do porta-malas” !!!
Quanta perspicácia, quanta sagacidade!
O contexto adverso era incrivelmente contornado através da utilização da propriedade básica da voz passiva, que realça o OBJETO da ação, e não o SUJEITO! (dá-lhe aulas de português da 7a série)

Mas para a minha surpresa:

- Tá... OK senhor Marcelo, então o que ocorreu foi que o senhor trancou o carro com a chave dentro, certo?

Eu, desanimado:

- É, ou isso...

Fico aqui me perguntando por que os grandes gramáticos criam as regras do Português, já que as pessoas depois teimam em não respeitá-las.