domingo, julho 24, 2005

Telefones - parte II

Em uma terça-feira qualquer, às 10 e pouco da noite. Eu já quase indo dormir. O telefone toca.

- Riiiiiiing..... Riiiiiing.....
(notem, mais uma vez, a partir das minhas formidáveis simulações de campainhas de telefone, como o toque do aparelho do meu quarto é TOTALMENTE diferente do de meu trabalho)

- Alô.
- Alô, Marcelo?
- Sim, é ele.
- Oi Marcelo!! Aqui é Lidiane!!

(silêncio)

E lá estava meu cérebro, já tão acostumado a trabalhar em decalésimos de segundo sob a pressão do telefone, revirando gavetas em meio a sinapses e mais sinapses, tentando se lembrar quem diabos era Lidiane.

Mas o cérebro de Lidiane também era igualmente rápido, e mesmo esses decalésimos de segundos de silêncio já foram suficientes para gerar impaciência:

- Marcelo! É Lidiane! Lidiane, de Friburgo!!!!

(silêncio, aliado agora a uma pitada de desespero)

Céus, eu não sabia quem era Lidiane, muito menos a Lidiane de Friburgo! O pior é que nos últimos tempos eu fui umas 3 ou 4 vezes a Friburgo, e todas eram ocasiões de festas e churrascos, daquelas em que você conhece até a amiga da namorada do primo do vizinho do seu colega de turma. Por mais que esse não fosse um nome exatamente comum, era altamente provável que em uma dessas festas eu tenha, de fato, conhecido uma Lidiane. E ela lá, íntima o suficiente para me ligar depois das 10 da noite (olha que meu horário-limite para telefonemas durante a semana é ainda mais rígido, 9 e meia no máximo), e eu sem nem saber quem era aquela pessoa. Para quebrar um pouco do silêncio, não tive outra saída senão adotar a infame tática do er.

- Er... bem... Lidiane... er...

Pfff, esse lance do er NUNCA dá certo...

- Mas seu pilantra safado duma figa, como assim você não se lembra de mim?!?!??!

Eu, ainda sem compreender a gravidade da situação, pensava que poxa, tremendo exagero, tudo bem que eu não me lembrava dela, mas isso também não fazia de mim um baita pilantra safado duma figa. Para mim não tem nada mais ofensivo do que, além de ser safado, ser também um safado duma figa. Na 2a série primária isso era um dos mais graves xingamentos que um coleguinha podia usar contra o outro.

- Olha, peço mil desculpas, mas eu não me lembro de você, de onde mesmo a gente se conhece? – eu, inutilmente, tentando imprimir um tom conciliador, ao mesmo tempo em que procurava ganhar tempo para realmente me lembrar dela.

- Rããããããããããããããããn .!.!.!.!.! (o som e o tom de fala emitidos pela Lidiane nesse momento são intraduzíveis para a linguagem textual) COMO ASSIM ???? Depois da festa da Vânia (“Vânia? Que Vânia?? Eu não conheço nenhuma Vânia!!” – pensava), e de todo o resto do final semana, você ainda tem a cara-de-pau de se fazer de desentendido?!?!

Aaaaah, era isso. O Marcelo ficou com a Lidiane na festa da Vânia, deitou e rolou com ela no restante do final de semana, e agora ela estava, como era de se esperar, cobrando um mínimo de reconhecimento. Compreensível. Eu realmente só esperava que esse Marcelo não fosse eu mesmo.

- MAR-CE-LO ROCHA, que palhaçada é essa ?!?!?!

Aaahhh !!!

Respiração aliviada... E boca cheia para falar:

- Olha Lidiane, você me desculpe, mas meu nome não é Marcelo Rocha... você ligou para o Marcelo errado, eu sou Marcelo Bahia...

Nessa hora eu já estava morrendo de rir. Por dentro, é óbvio.

- Ãããããããn... (uma expressão tão esquisita quanto o “Rãããn” de um minuto atrás. A Lidiane é realmente muito boa nisso) Ai meu Deus, me desculpa, me desculpa!!

- Calma, relaxa... (Por mais que para mim “safado duma figa” seja uma ofensa quase que imperdoável, eu estava no clima de relevar)

- Não, ai meu Deus, esse é o xxxx-xxxx?

- Sim, é esse mesmo.

- Ai, eu devo ter pego o telefone errado, desculpa, desculpa... Desculpa mesmo... (Nossa, eu não ouvia tantas desculpas em uma frase só desde as aulas da Clementina no São Bento... A Clementina era uma professora de português super-simpática que tinha mania de desculpas, era daquelas que pedia desculpas até quando dava nota baixa para a gente na prova)

- Olha, não precisa ficar sem jeito, esse tipo de coisa acontece com todo mundo, toda hora... (Hehehe, até parece! Ei, eu só estava querendo ajudar)

Só que ela estava definitivamente sem jeito, e acabou se enrolando mais ainda:

- Ai, mas você deixa isso pra lá, né? Ah, quem sabe a gente até não bate um papo dia desses, né?

- Ô... Claro, claro, por que não? (como vocês vêem, decidi adotar a mesma tática da vendedora do sinal do Diálogos)

- Ah, que bom, que bom! Até logo, Marcelo!

- Até.

----------

Já se passaram 2 meses, e Lidiane nunca mais ligou.

Humpf, e depois reclama do Marcelo Rocha.