domingo, julho 31, 2005

Agendas

Quem não se lembra daquelas agendas antigas super-bacanas que mostravam uma série de datas (inutilmente) especiais, como Dia do Tintureiro, Dia do Eletricista, Dia Internacional do Jovem Trabalhador? Com certeza todo mundo já teve uma dessas.

Quando surgiram, ainda nos tempos do colégio, eram uns dos maiores baratos. Através delas nós, meros pré-adolescentes, podíamos nos dar conta de toda a nossa imensa ignorância em relação a datas como essas, tão importantes para o desenvolvimento e prosperidade da humanidade como a conhecemos. Não me interpretem mal, não digo isso querendo desmerecer todos os eventuais tintureiros, eletricistas e jovens trabalhadores leitores do blog.

Hoje em dia tudo isso pode soar até bobo, dada toda a difusão destas agendas formidáveis entre a molecada atual, mas naquele tempo era extremamente fascinante descobrir que, veja só, 26 de abril é, não só o Dia do Engraxate, mas também o Dia do Goleiro! Essa data eu não consegui esquecer até hoje!

Pois bem, em uma certa aula de Português da 5a série, em que entre uma oração coordenada e outra subordinada reinava a mais completa monotonia, 2 coleguinhas de mesas vizinhas à minha divertiam-se com uma dessas agendas.

- Ooolha, sabe que dia é hoje??
- Não, qual ?!?!
- Dia do Metalúrgico!!
- Pô, que legal!! Mas o que é um metalúrgico, você sabe?
- Ah, não, mas olha, não é só isso, hoje também é Dia da Latinidade!!!
- Que maneeeiro!!!! Mas e latinidade, você sabe o que é??
- Hum, não....

Após tais incríveis descobertas, o segundo garoto tira a agenda da mão do primeiro:

- Vamos ver o que são nossos aniversários! Olha, olha o meu... Dia da Igualdade da Mulher!
- Uau! Olha o meu aí, 13 de julho...
- Pera... Olha, Dia Mundial do Rock!!

Que massa! Naquela época eu nem sabia que o rock tinha um dia mundial só para ele! Isso parecia divertido, eu também queria entrar na brincadeira:

- Pô, olha o meu aí também, 10 de dezembro!!
- Deixa eu ver...

Meu coleguinha, assim que chegou na página do 10 de dezembro, desandou a rir. O garoto chegou a ficar vermelho feito um pimentão em plena sala de aula. E quando mostrou a agenda para o segundo, eram dois quase caindo da cadeira. Eu, perspicaz como sempre, já desconfiava que havia alguma coisa errada com o dia do meu aniversário...

O garoto, rindo horrores ainda, finalmente me passou a agenda.

Pois é, inacreditável.

“10/12... DIA DO PALHAÇO” !

E minha incrédula expressão facial foi mais um motivo para meus amiguinhos cairem ainda mais na gargalhada. Fui tomado por uma revolta sem precedentes. Com 365 dias para escolher, não era possível que eu nascesse justamente no Dia do Palhaço. Eu, que já não era muito satisfeito com o dia de meu aniversário (é muito perto do Natal, e por isso eu só ganhava um presente por ano da maioria das minhas tias distantes), fiquei ainda mais inconformado. Absolutamente inaceitável.

Meu trauma foi tão grande que cheguei inclusive a fazer novas pesquisas sobre a data, e descobri que esse era também o Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Ambos mais importantes do que qualquer palhaço que você vê por aí. Também foi o dia de nascimento da escritora Clarice Lispector, em uma daquelas cidades de nome impronunciável na Ucrânia. Mas tudo isso era inútil. Como muitas coisas na vida, a primeira impressão é a que fica, e eu seria até o fim da 5a série o cara que nasceu no Dia do Palhaço. Malditas agendas que vangloriavam palhaços, em vez dos merecidos índios ou dos nossos próprios direitos humanos.

Por essas e outras que hoje em dia nada me faz abrir mão do calendário do Word, um que com certeza não vai zoar com a minha cara, colocando palhaços no lugar de honra de suas páginas do 10 dezembro.

domingo, julho 24, 2005

Telefones - parte II

Em uma terça-feira qualquer, às 10 e pouco da noite. Eu já quase indo dormir. O telefone toca.

- Riiiiiiing..... Riiiiiing.....
(notem, mais uma vez, a partir das minhas formidáveis simulações de campainhas de telefone, como o toque do aparelho do meu quarto é TOTALMENTE diferente do de meu trabalho)

- Alô.
- Alô, Marcelo?
- Sim, é ele.
- Oi Marcelo!! Aqui é Lidiane!!

(silêncio)

E lá estava meu cérebro, já tão acostumado a trabalhar em decalésimos de segundo sob a pressão do telefone, revirando gavetas em meio a sinapses e mais sinapses, tentando se lembrar quem diabos era Lidiane.

Mas o cérebro de Lidiane também era igualmente rápido, e mesmo esses decalésimos de segundos de silêncio já foram suficientes para gerar impaciência:

- Marcelo! É Lidiane! Lidiane, de Friburgo!!!!

(silêncio, aliado agora a uma pitada de desespero)

Céus, eu não sabia quem era Lidiane, muito menos a Lidiane de Friburgo! O pior é que nos últimos tempos eu fui umas 3 ou 4 vezes a Friburgo, e todas eram ocasiões de festas e churrascos, daquelas em que você conhece até a amiga da namorada do primo do vizinho do seu colega de turma. Por mais que esse não fosse um nome exatamente comum, era altamente provável que em uma dessas festas eu tenha, de fato, conhecido uma Lidiane. E ela lá, íntima o suficiente para me ligar depois das 10 da noite (olha que meu horário-limite para telefonemas durante a semana é ainda mais rígido, 9 e meia no máximo), e eu sem nem saber quem era aquela pessoa. Para quebrar um pouco do silêncio, não tive outra saída senão adotar a infame tática do er.

- Er... bem... Lidiane... er...

Pfff, esse lance do er NUNCA dá certo...

- Mas seu pilantra safado duma figa, como assim você não se lembra de mim?!?!??!

Eu, ainda sem compreender a gravidade da situação, pensava que poxa, tremendo exagero, tudo bem que eu não me lembrava dela, mas isso também não fazia de mim um baita pilantra safado duma figa. Para mim não tem nada mais ofensivo do que, além de ser safado, ser também um safado duma figa. Na 2a série primária isso era um dos mais graves xingamentos que um coleguinha podia usar contra o outro.

- Olha, peço mil desculpas, mas eu não me lembro de você, de onde mesmo a gente se conhece? – eu, inutilmente, tentando imprimir um tom conciliador, ao mesmo tempo em que procurava ganhar tempo para realmente me lembrar dela.

- Rããããããããããããããããn .!.!.!.!.! (o som e o tom de fala emitidos pela Lidiane nesse momento são intraduzíveis para a linguagem textual) COMO ASSIM ???? Depois da festa da Vânia (“Vânia? Que Vânia?? Eu não conheço nenhuma Vânia!!” – pensava), e de todo o resto do final semana, você ainda tem a cara-de-pau de se fazer de desentendido?!?!

Aaaaah, era isso. O Marcelo ficou com a Lidiane na festa da Vânia, deitou e rolou com ela no restante do final de semana, e agora ela estava, como era de se esperar, cobrando um mínimo de reconhecimento. Compreensível. Eu realmente só esperava que esse Marcelo não fosse eu mesmo.

- MAR-CE-LO ROCHA, que palhaçada é essa ?!?!?!

Aaahhh !!!

Respiração aliviada... E boca cheia para falar:

- Olha Lidiane, você me desculpe, mas meu nome não é Marcelo Rocha... você ligou para o Marcelo errado, eu sou Marcelo Bahia...

Nessa hora eu já estava morrendo de rir. Por dentro, é óbvio.

- Ãããããããn... (uma expressão tão esquisita quanto o “Rãããn” de um minuto atrás. A Lidiane é realmente muito boa nisso) Ai meu Deus, me desculpa, me desculpa!!

- Calma, relaxa... (Por mais que para mim “safado duma figa” seja uma ofensa quase que imperdoável, eu estava no clima de relevar)

- Não, ai meu Deus, esse é o xxxx-xxxx?

- Sim, é esse mesmo.

- Ai, eu devo ter pego o telefone errado, desculpa, desculpa... Desculpa mesmo... (Nossa, eu não ouvia tantas desculpas em uma frase só desde as aulas da Clementina no São Bento... A Clementina era uma professora de português super-simpática que tinha mania de desculpas, era daquelas que pedia desculpas até quando dava nota baixa para a gente na prova)

- Olha, não precisa ficar sem jeito, esse tipo de coisa acontece com todo mundo, toda hora... (Hehehe, até parece! Ei, eu só estava querendo ajudar)

Só que ela estava definitivamente sem jeito, e acabou se enrolando mais ainda:

- Ai, mas você deixa isso pra lá, né? Ah, quem sabe a gente até não bate um papo dia desses, né?

- Ô... Claro, claro, por que não? (como vocês vêem, decidi adotar a mesma tática da vendedora do sinal do Diálogos)

- Ah, que bom, que bom! Até logo, Marcelo!

- Até.

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Já se passaram 2 meses, e Lidiane nunca mais ligou.

Humpf, e depois reclama do Marcelo Rocha.

domingo, julho 17, 2005

Telefones – parte I

Porque meus problemas com telefones não se resumem ao celular estragado...

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Em uma certa tarde, no trabalho. O telefone toca.

- Triiiiiim..... Triiiiiim.....
(reparem na minha incrivelmente perfeita e realista simulação de campainha de telefone)

- Marcelo.
- Alô, Marcelo? Aqui é a Michelle...

Em um daqueles impressionantes arroubos mentais que duram apenas alguns milissegundos, antes mesmo que a Michelle fosse capaz de completar a frase, meu cérebro apressadinho já foi capaz de juntar as peças e chegar à sua brilhante conclusão... óbvio que era ela! A voz era idêntica à da minha amiga Michelle, lá do curso de inglês do Méier. Ela inclusive tinha aquele meu telefone! Não restava dúvidas, e reagi como era de se esperar:

- FAAAAALA MICHELLE !!!!!!!

Ela segue...

- ... da PR Newswire Brasil, nós estamos contatando alguns analistas de mercado, para saber se...

Não, não era a Michelle, e muito menos uma ligação pessoal. Nessa hora eu não sabia onde esconder minha cara (até porque minha mesa também não é um ambiente exatamente propício para tal). A telefonista da companhia deve no mínimo ter pensado que no meu banco só há loucos, que cumprimentam desconhecidos no telefone com enfáticos “FAAAAAALA”. Mas como ela foi compreensiva o suficiente para prosseguir o diálogo como se nada de anormal houvesse acontecido, optei por adotar o mesmo procedimento.

O único problema nisso é que ao redor de mim sentam uma meia dúzia de pessoas que já tinham ouvido a minha calorosa saudação, e estariam prontas para zoar com a minha cara caso se dessem conta da aparente "seriedade" da ligação. Ou seja, além de dar seqüência ao diálogo com minha querida Michelle normalmente, eu ainda teria que fazê-lo de forma que meus companheiros não percebessem que aquela conversa era, de fato, profissional. Vejam como, com muito custo e um pouco de artimanhas e jogos verbais, consegui não mencionar em nenhum momento empresas ou setores que acompanho diariamente, muito menos nada estritamente ligado ao banco:

- Marcelo, você estaria interessado em receber nossas informações corporativas?
- Claro, Michelle. (Denotada ênfase no chamar pelo nome, uma efusiva demonstração do meu grau de intimidade com a interlocutora)
- Mas quais setores você acompanha, e gostaria de receber essas informações?

Reparem na cruel “pergunta-armadilha”, que fala justamente de setores, ao mesmo tempo em que não pode ser respondida com um “sim” ou “não”. Solução: rebater com uma nova pergunta, é claro!

- Quais você tem disponíveis aí?

Uma pergunta perfeitamente cabível em uma conversa com uma amiga sua. Nós poderíamos muito bem estar falando de coisas cotidianas, como cores de cuecas ou os possíveis sabores dos bolos da festa junina que estávamos organizando.

- Praticamente todos... Mineração, siderurgia, telefonia, petróleo e gás, bancos, transportes, logística...
- Hum, gostaria desses três últimos.

SAÍDA SENSACIONAL! Revela minha clara preferência na lista de opções supostamente mencionada pela minha amiga Michelle. Tudo bem que eu nem chegue perto do setor de logística, mas nem tudo é perfeito.

- OK, então vou lhe cadastrar aqui. A maioria das nossas informações é repassada por e-mail, tudo bem?
- Claro, pode me mandar por e-mail. (Porque não há nada mais normal do que mandar listas de cores de cuecas e sabores de bolos por e-mail)
- OK, uma boa tarde Marcelo.
- OK, até logo. (Mais um definitivo sinal de intimidade, sinalizando a brevidade de meu próximo encontro com minha amiga)

Só espero que ninguém do trabalho acesse secretamente este blog, do contrário todo o meu esforço terá sido em vão...